AS IMPUREZAS DO BRANCO.

Estava recolhendo material pra fazer um trabalho, tinha que desenvolver um projeto qualquer. O professor tinha deixado em aberto, escrever sobre qualquer coisa envolvendo um tema que lançou. Era tanta liberdade que eu mal sabia por onde começar. Então estava procurando assunto. Tinha pensado que rodaria bastante procurando, mas não foi necessário, encontrei sobre o que eu deveria escrever perto de casa, há algumas esquinas.

Perto de onde eu moro existia uma boate de strip tease de uma antiga dançarina que se tornou famosa, muito mais quando deixou de ser dançarina e passou a ser deputada da cidade. Depois que a boate fechou, algumas das meninas que trabalhavam lá dentro passaram a trabalhar do lado de fora. Eu passava por ali sempre, olhava as garotas. Decidi que algo nelas seriam meu assunto.

Aos poucos me aproximei com conversa. Elas gostavam de contar suas histórias, gostavam de ter um pouco de atenção sobre elas. E atenção é algo que elas nunca tinham. “Os caras sempre vem, dizem o que querem, pagam e depois vão embora. É legal você vir aqui e perguntar as coisas da vida da gente.” Foi o que uma das meninas me disse. Elas queriam um pouco de atenção.

Aos poucos de tanto ir conversar com elas fiquei amigo de algumas. Beatriz era a mais chegada. Eu aparecia sempre cedo, quando elas estavam ainda no começo do trabalho. Ficava conversando com elas, celular na mão gravando. Conversávamos um pouco, elas me contavam umas coisas. Nós riamos de algumas, depois eu vinha para casa tentar passar tudo pro computador, e elas iam trabalhar.

Em uma noite eu estava passando pela rua onde ficavam, vinha da casa de um amigo e dei uma passada pra cumprimentar algumas das garotas. Estava Carla, Beatriz e mais duas garotas. Cumprimentei, e perguntei por uma outra menina. Beatriz disse que ela tinha saído com um cliente. Fiquei uns minutos conversando e fumando um com Beatriz. “Meio fraco hoje, é terça-feira, amanhã melhora, depois vem quinta e aí o fim de semana, aí os caras saem dos seus empregos com vontade de tirar o estresse e vem atrás da gente aqui.” Ela me falou.. Segundo Beatriz, todo cara que tem boa vida é infiel. “Eles sempre se estressam muito pra ganhar o dinheiro deles, pra manter um nível de vida que eles acham importante, mas não encontram satisfação, daí vem procurar a gente, que não temos nada com a vida deles e que não temos interesse em fuder eles de alguma forma. Agente só quer o pagamento, e eles a boceta.”

Quando eu disse que iria embora, ela me segurou pelo braço; “Fica mais um pouco”, falou. Eu disse que tudo bem, nos afastamos um pouco das outras e ficamos conversando. “Olha, eu quero te dar uma coisa. Você vem comigo no meu apartamento?”. Ela falou, “O que você vai me dar?” perguntei. “Chega aí. Vem ou não?”. E eu disse que sim. Ela falou com as duas garotas que sairia e seguimos pro seu apartamento. Bia morava em um prediozinho perto da rua onde trampava, com uma colega que também era do ramo, mas que fazia ponto em uma casa em outro bairro. Enquanto caminhávamos, ela me contou que já passou perrengues por fazer ponto ali, as pessoas a reconheciam e já tinham tentado tirar ela do prédio. “Tem muita gente paia, muito preconceito, pensam que só por que você é puta, que também rouba. Claro que tem muita menina que faz, mas eu faço o que faço já para não pegar no que não é meu.” Ela soltou. Bia era uma menina inteligente pra caramba, bonita, gente fina mesmo, eu gostava dela.

Chegamos ao prédio, ela acenou pro porteiro e ele abriu pra gente. Pegamos o elevador. Subimos em silêncio, eu queria puxar uma conversa, mas não sabia o que falar mais, sempre fui ruim de conversa. Entramos no apartamento, que era pequeno, mas dava pra duas pessoas. Sua amiga estava no quarto, dia de folga. Bia foi lá, conversaram um pouco, depois veio e me levou pra seu quarto. Sentei na cama. “Tá aqui por perto o que tenho pra ti”. E ela mexeu dentro do guarda-roupa um tempo. Depois ela se virou com um livro na mão. “Eu escutei naquele dia que você gostava de poesia, daí lembrei que eu tinha este livro a um tempão, que eu comprei nem me lembro mais onde, faz tempo ó. Mas que eu gostei e pensei em te dar, se é que você já tem. Você já tem?”. Tratava de um livro do Drummond, “As Impurezas do Branco”. Eu não tinha esse livro, nem lido. “Não Bia, eu não tenho.” falei enquanto admirava o livro. “Você gosta dele, do Drummond?” ela me perguntou. “Gosto sim.” Falei. “Pois é pra ti o livro. Eu queria ter colocado em um papel legal, mas não me lembrei de fazer isso antes, e também o livro nem é novo.” Ela falou. “Valeu mesmo, mó presentão ó, esse aqui.” Falei. Ela sorriu pra mim quando me ouviu falar. Eu calei em um silêncio de quem não sabe mais o que dizer, fiquei olhando o livro, o velho Drummond antes nas mãos da garota. Daí ela foi se aproximando de mim e passou a mão no meu cabelo. Ela veio e me beijou enquanto me abraçava. Meu coração bateu estranhamente forte e eu fiquei inquieto. Ficamos nos beijando um bocado de tempo, e nos olhando. Depois nos afastamos. Ficamos conversando um tempo sobre o livro, e depois ela disse que tinha que voltar pra rua.

Descemos em silêncio e na rua nos despedimos, fui pra casa e ela voltou pro trabalho.


31/10/2008 17:16

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