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SPIDERS.

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“ Crawlin black spider” Cat Power Uma aranha negra teceu  teias metálicas sobre mim, Teias prateadas sobre meus ossos, E já não posso mais me mover. Sob a mesa de cabeceira, Um fantasmas bebe e sorri, Um inimigo me sorrindo de leve, Enquanto a aranha continua me cobrindo com suas teias, Da cabeça aos pensamentos E então já não posso mais movê-los. 04/04/2008 13:55

O HOMEM COM CABEÇA DE CACHORRO.

O homem com cabeça de cachorro nasceu de parto normal. Homem, dois braços, duas pernas, corpo humano, e uma cabeça de cachorro. Nasceu de pai e mãe normais. Criado pelos pais, recém-nascido, receberam proposta para viver e trabalhar em circo. Nunca aceitaram. Somente quando os pais morreram que passou a comprar a própria comida, vendendo a imagem de sua cabeça de cachorro por alguns trocados nas feiras exibicionistas. Sua voz poucos ouviram. Quando abria a boca na tentativa de expulsar som, alguns jogavam pedra, corriam de medo, e existiam os que desmaiavam. Assim, aprendeu a comunicar-se por gestos. Nunca teve amigos. Sempre viveu sozinho. Nunca foi amado por mulher alguma que não fosse sua mãe. Vivia sozinho no antigo casebre dos pais mortos. As crianças iam até lá jogar pedras nas janelas onde não haviam mais vidros, só panos servindo de cortina. O homem com cabeça de cachorro morreu sozinho já passando dos 30 anos, sentado em uma poltrona, de frente para um

A TARDE.

Leões rugindo nas ruas mulheres flutuando nas calçadas homens espreitam. 3 meninos vestindo camisas de guerra levam escrito no peito exército de Deus enquanto fazem malabares no sinal para ganhar uns trocados. Em algum lugar do mundo um vulcão entra em processo de erupção,  do lado de cá, as horas se arrastam, e eu me cego olhando o sol por minutos eternidades. 19/02/2008 13:32

CORAGEM.

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  -E então, você vai fazer? -Sei não... -Deixa de ser frouxo, tô com a arma ali no carro, estacionei na rua de trás. -O que eu ganho com isso? -Te dô uma grana, e mais o que tu quiser na cama. -Eu tenho emprego. E você já faz o que quero na cama. -Faço mais. -Tem uma coisa que eu sempre quis que fizessem. -Fala, eu faço. -Faz nada, nenhuma teve coragem. -Se você fizer a tua parte eu faço sim, o que é? -Nãm, nenhuma teve coragem. -Eu faço. -Conversa. -Verdade, juro. Diz o que é. -Você é uma mentirosa. Nisso dou um tapa na cara dela. Faz barulho e ela se treme toda, bate com o corpo no copo, na garrafa, derrama cerveja. O bar inteiro olha. São sete caras e mais duas donas que estão acostumados com tudo, mas sempre reparam, nunca perdem. -Seu filho da puta – ela diz. Está com raiva, os olhos arregalados, ódio puro. – Você não devia me tratar assim, você não pode. -Ah, cala a boca. Deixa de drama, você tá acostumada com isso, leva do teu marido, po

O PERIGO.

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Acordo e já é dia, o sol entra pelas cortinas. Não sei que horas são. Então viro pra mesinha ao lado da cama e vejo no relógio digital em cores vermelhas que já passam das nove. Olho pro quarto espaçoso. Me sinto cansado. Ontem bebi muito. Sei que ela me trouxe pra cá, e já foi embora. Provavelmente pro trabalho. Não deixou recado no travesseiro ao lado, como nos filmes. Levanto da cama. Caminho um pouco pelo quarto, vou até a janela e vejo a rua. Um garoto passa de bicicleta. Vou ao banheiro. Espaçoso. Essa casa é boa, ela deve ter um bom emprego. Lavo o rosto. Saio. Caminho pelo corredor e encontro a cozinha, abro a geladeira. Ela tem um bom emprego. O que a fez me trazer aqui ontem? O que queria com um cara como eu? E ela foi embora e me deixou em sua casa. Caminho até a sala e sento no sofá, me esparramando como se isso tudo fosse meu por alguns minutos. Mas nada disso poderia ser meu, nada disso foi feito para um cara como eu. Sei que poderia me acostumar com isso, e então é onde

A PEDRA.

Caminhava e sentia com a mão O silêncio de minha pedra de estimação Que levava dentro de meu bolso. Meus olhos escorregaram até meus dedos, Assim eu via tudo a cada minuto que existia, E isso levou horas Levou inteiro o dia. A pedra cresceu no bolso, Tive que carregar dentro de uma bolsa De tão grande que ficou. Dentro da bolsa a pedra explodiu, Soltando água que nela existia E comigo, senti tudo mais pesado. 16/01/2008 18:31

ILUMINURAS.

III Nos bosques tem um pássaro, você pára e cora com seu coro. Tem um relógio que não toca nunca. Tem uma brecha no gelo com um ninho de bichos brancos. Tem uma catedral que sobe e um lago que desce. Tem uma pequena carruagem abandonada na moita, ou que passa correndo, decorada. Tem uma trupe em trajes de comédia, espiada pela trilha da floresta. E então, quando você tem fome e sede, tem sempre alguém que te manda passear. IV Eu sou o santo, rezando no terraço, — como os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina. Eu sou o sábio na poltrona sombria. Os galhos e a chuva se jogam contra a vidraça da biblioteca. Eu sou o andarilho da grande estrada entre os bosque anões; o rumor das represas cobre meus passos. Me demoro vendo a triste fuligem dourada do pôr-do-sol. Eu bem podia ser a criança abandonada no cais de partida pro alto mar, o caipira rodando as alamedas, sua cabeça roçando o céu. Os caminhos são áspero

XENIA.

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Meu tio se matou três dias antes d o meu nasc imento . Deu um tiro na cabeça com a arma velha e enferrujada que meu pai tinha comprado quando era moço. Minha mãe só ficava chorando, mas segurou firme. Me segurou firme por três dias. Então nasci. Uma vez meu pai me perguntou por que eu tinha saído pr a e sse mundo, disse que era um lugar ruim de viver. Eu perguntei então porque ele tinha me colocado dentro da minha mãe. Meus pais não se falavam muito. Meu pai quando bebia, me batia quando chegava em casa. Na escola, a maior parte dos garotos não gostavam de mim, muitos queriam me bater nos intervalos e no fim das aulas. Quase todos os dias eu tinha que enfrentar um cara que era maior que eu. Quase todos os dias eu tinha que provar que eu era mais forte do que os outros. Nem sempre eu vencia, mas batia neles também. Foi assim que começaram a me respeitar. Ou simplesmente começaram a esquecer de mim. C omecei a roubar nos supermercados, colocava coisas pequenas dentro

POEMAS DE PAULO HENRIQUES BRITTO.

III Nem tudo que tentei perdi. Restou a intenção de ser alguém ou algo que não se pode ser, mas só ter sido; restou a tentação do nada, nunca tão forte que vencesse esse meu medo que é a coisa mais honesta que há em mim. Sobrou também o hábito vadio de me virar do avesso e esmiuçar as emoções como quem espreme espinhas. Mas nada disso dói; a dor é um ácido que ao mesmo tempo que corrói consola, que arde mas perfuma. Isso que eu sinto é uma coceira que vem lá de dentro e me destrói sem dignidade alguma. VII A consistência exata dessa insônia, a forma certa desse medo, o gesto seco que rejeita essa necessidade abjeta de ser quem não se é — a aceitação completa da vontade insuportável de querer o que se quer, a sede obscena de tragar o copo junto com a bebida — coisas tão simples, que só pedem a paciência sábia dos que aprenderam a se aturar, a santa complacência de quem lambe as próprias chagas e aprecia o gosto — não por requinte de nojo, mas só por nunca h

OS MESMOS DIAS.

A noite me espia vazia Falando que logo já será dia. O sono que me vem agora lento como maré, Não é a onda pesada que tentará me derrubar pela manhã. Assim, sigo tentando destruir as horas do relógio Sigo tentando destruir o medo no peito Sigo tentando destruir este vazio de todos os dias, Enquanto à noite me espia silenciosamente vazia Me dizendo que logo, logo já será um novo dia. 29/07/2008 23:46

LEIA ABAIXO UM DOS POEMAS.

Recebei as nossas homenagens Único homem acordado nesta noite, o apartamento apertado parece imenso; vagueio desacordado de tudo e sobretudo em desacordo comigo, único homem acordado no mundo; o teatro estreito assim vazio parece largo, perambulo absoluto, príncipe estragado; não dormir é meu palácio; a Dinamarca, diminuta, parece dilatar-se enquanto palmilho o ar do quarto. Vem o dia, e o fantasma de meu pai não me aparece. Da vista e do visto Mais uma vez é maio; não o levaste contigo; horas se escrevem hoje com o lápis de sempre, ultramar e um tanto adolescente; não o levaste, maio, mês de meu aniversário, quando a melancolia é menos nítida que a linha dos morros e dos edifícios; vento sol amendoeiras, é como te digo, não levaste maio e mesmo os meus olhos estão aqui, comigo; algo, porém, sei que se foi contigo; que coisa era, não sei, e, ainda que pequena, faz falta, era minha; coincidência ou não, procuro e não encontro a m

OUTROS DESTINOS.

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  “ Eu tinha alguma esperança e aí tudo morreu como um demônio em chamas. ” Camila Fraga. Era fim de tarde. Ela tinha me pedido para encontrá-la na velha praça. Quando cheguei, já tava lá sentada fumando um. Os brinquedos velhos e enferrujados que brincamos anos antes. Agora já parecia que muito tempo tinha passado. Aproximei e sentei ao seu lado. -Como é que tá? -Quebrada. Como se tivessem retirado algo de mim. De dentro de mim. Como se eu tivesse nascido com asas e tivessem arrancado de mim usando só as mãos. Fiquei em silêncio. Peguei meu cigarro e acendi. -Acho que entendo como você se sente. -Acho difícil. Mas você pode tentar. -É... -A tarde está agradável. -O fim dela. -Pode ser o nosso fim também. -Não seja tão dramática. Ela riu pela primeira vez naquele dia. Pela primeira vez naquele mês, disso tenho certeza. Me senti feliz por ainda conseguir fazer alguém rir. -Você lembra do tempo em que eu queria ser atriz pra poder sair d

CARTA SOBRE A FELICIDADE.

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" Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer por meio da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.  Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz. Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-

FRED.

Ninguém soube ao certo o que significou o que Fred tinha feito, se era um ato de loucura ou simplesmente um ato completamente imbecil. E muitos na cidade eram aqueles que diziam achar Fred um completo imbecil. Seu nome real não era Fred. Ele mesmo tinha se dado este nome retirado de algum filme de ficção científica que viu muitos anos antes. Ele tinha saído da cidade há cerca de três ou quatro anos antes do que veio a acontecer. Tinha meio que fugido da humilhação de ter encontrado sua mulher com outro, ter brigado com o cara, perdido, levado uma surra no meio da rua, e ainda escutado da mulher que ele sustentava, que ela estava dando para outro porque o outro era melhor que ele na cama. Ele passou uns três dias bebendo, caindo no chão das ruas, depois pegou algumas coisas e saiu da cidade. Quase ninguém o viu indo embora, somente uns velhos que ficavam sentados o dia inteiro vendo a rua passar. Fred passou um tempo fora, ninguém achava que ele seria capaz de voltar, mas depo

O BURACO DA NOITE.

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A noite é só um buraco negro Por onde sonhos nascem e escorrem dentro do tempo   Num vazio silencioso mais preciso que podes imaginar. A noite é só um local Onde a memória surge em solavancos Trazendo presságios dos pesadelos Do dia que será amanhã. 29/05/08 13:50 "Nocturnal Visitors", 2014, Dewey Guyen

TU ACREDITA EM SONHOS?

-Tu já leu Kafka? -Já, mas faz muito tempo, ainda estava na escola. Que é que tem? -Nada, só estou me sentindo como um personagem dele. -Qual personagem? -E isso importa?! -Deve importar. -Sentir-se um personagem do Kafka já é ruim demais, não importa nada. -Sabendo qual personagem é, de qual livro, você pode tentar entender melhor a situação. -Tu acredita em sonhos ou coisas assim? -Tipo, você tá falando de significados? -É, isso aí. -Que nada, isso não existe. -Você acha? -É... Mas minha irmã tem um livro, tipo um dicionário de sonhos, e às vezes eu vô lá, dou uma olhada. -E aí? -E aí nada. É tudo uma merda. As coisas que sonho nunca significam o que dizem no livro. -Como assim? -Você sonha uma coisa e o livro diz o que significa, tipo o que pode acontecer com você. Mas nunca o que sonho acontece como que eles dizem. -Então você acredita, sempre vai ver o que é. -Acredito porra nenhuma, é só costume, é igual a ligar a TV, você já sabe o que tá p