O DIA EM QUE ENCONTREI DANIEL GALERA PEDINDO MOEDAS NA RUA.

Saio já quase duas da madrugada. Perdi o ônibus e agora só depois das 3 passa outro. Fico na parada. Acendo um cigarro. Vou ter que esperar mais de uma hora pra pegar o ônibus pra chegar em casa. Esse lado da cidade está acordado. No lado em que vivo, dormem. Do outro lado da rua um flanelinha toma conta dos carros dos ricos por algumas moedas. Anda pra lá e pra cá pra pegar água em uma torneira pra lavar os vidros dos carros com um pano sujo. Dou uma olhada nele, conheço esse cara de algum lugar, penso. Então me dou conta que não conheço, na verdade, mas o cara tem a cara do Daniel Galera. Já li uns livros. Fico fumando, esperando o tempo passar. E o Daniel lá, limpando os carros, pastorando, de olho nas moedas. Os minutos não passam, e pro tempo passar cruzo a rua e resolvo falar com o Galera. Realmente se parece. Ofereço um cigarro, ele aceita e agradece. Tento puxar conversa, o cara, fechado. Sou ruim de conversa também. Mas depois de um tempo, e uns cigarros dados, ele me fala que tá morando na rua faz um tempo. Pergunto da família. Ele diz que saiu de casa, que teve uns problemas. Drogas, fico imaginando. E ele acaba falando depois. “Meu problema foi o pó”. Ele diz. Cocaína. A droga do fraco. Do idiota. Daquele que precisa da massagem no ego. Do triste sem alegria alguma. Eu sempre pensei que só uma pessoa realmente muito fraca, quase um retardado mental poderia se tornar um viciado em cocaína. Mas claro, falo isso porque sou incapaz de me viciar em alguma coisa nesse mundo. Só em pessoas. Meu único vício. Talvez por isso que as odeio tanto. Como o Daniel, que odeia o pó, e o ama. Fico conversando com o Galera. Rapaz bonito, ainda forte pro vício que tem e a vida que tá levando. Ele corre de carro em carro que para. Os jovens ricos do lado rico da cidade deixando o trocado, as moedas, o que resta, o que não vai fazer falta. Pra ele comprar o pó. “Hoje eu quero ficar doido mah, eu quero bodar”. Grita um garoto com uma cervejinha na mão antes de entrar no carro do amigo, que despeja umas moedas na mão do Galera, que agradece o troco. Tempo passa. Meu ônibus aponta na esquina. Me despeço do Daniel, deixo com ele o final do maço, e 5 reais. Meu troco. Meu trocado. Minha boa ação do dia. Pra ele comprar o pó. Quem sabe alguma coisa pra comer. E ele agradece. Um sorriso triste no rosto. Como são quase todos os sorrisos hoje em dia. Atravesso a rua. Dou sinal. Entro no ônibus que já vem lotado.

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