TEU ÓDIO É MINHA HERANÇA.


Não me lembro de muitas coisas de minha infância. O passado passa e leva com ele pedaços do que se foi. Eu deixo que ele leve, eu deixo que ele apague em mim o que fui um dia. Já não sou mais aquele garoto que ria quando não sabia o que fazer, já não sou mais aquele que perguntava aos outros se tinha que sorrir quando tirava fotos. Não sou aquele. Eu já não dou mais sorrisos quando não sei o que fazer.
Não me lembro de muitas coisas na minha infância, existem pequenos vestígios, pequenas recordações soltas. Uma das lembranças é dos filmes de faroeste que meu pai assistia, e que eu assistia junto com ele. Filmes preto e branco com carruagens e índios e cowboys. Esses foram os filmes que assistia com meu pai quando era pequeno. Esses são os filmes que ainda assistimos, mesmo que não mais juntos.


Eu e meu pai seguimos caminhos diferentes. Ele dentro de seu jeito sério e ar calado caminhou na estrada que construiu, ou que foi ofertada a ele pela vida. Vivemos juntos mais já vivemos afastados muito um do outro. Eu dentro de meu jeito sério mal humorado, dentro de meu silêncio de quem nunca sabe ou têm o que dizer, vago sem rumo procurando uma estrada para caminhar. Estrada que cada vez parece mais distante. Eu e meu pai, mesmo juntos vivemos vidas opostas, por escolha, gênio, limitações. E ainda hoje assistimos filmes do velho oeste que nunca existiu.
Lembro na infância de vários filmes assistidos na TV. Depois as várias fitas de vídeo alugadas nos finais de semana. Quando eu era pequeno meu pai só alugava filmes de cowboys. Hoje eu já “adulto”, meu pai compra filmes no bom piratão, filmes de cowboys. Ele traz os filmes para casa, e depois de assistir sempre me passa uns bons bang bang para ver. Isso de ver filmes de faroeste nos dias de hoje pode parecer demodê, mas é algo que ainda faço com gosto, sentindo prazer em ver um tempo que nunca existiu.


Mesmo caminhando juntos, eu e meu velho estamos afastados porque nunca soubemos dizer um ao outro o que sentimos um ao outro. Vez ou outra algum sentimento sendo mostrado, alguma palavra, algum sonho não realizado que ele ainda espera realizar, e que provavelmente nunca irá. Nós sabemos que nos amamos, mas não sabemos falar isso um ao outro. Bem ao estilo de homens durões de filmes antigos, tudo se mostra no olhar.
Enquanto existir faroestes antigos e novos, continuaremos assistindo faroestes, homens durões que cavalgam em meio a um deserto, homens que falam com o olhar. Eu e meu pai. Mesmo que não assistindo juntos na mesma TV, ele sempre vai me passar uns bons filmes depois de assistir.


Diário - Quinta – feira 12/11/2009 18:38

Comentários

Ed de Vortex disse…
Cara, que coincidência. Assisti esse filme no dia dos arrastões inexistentes.
Carlos Alberto disse…
Haha Ed, esses arrastões que todos disseram que tava rolando, mas eu também não vi.

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